quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Jacques le Fataliste et son maître

DIDEROT, Jacques le Fataliste et son maître. Chronologie; présentation, notes, dossier, bibliographie et lexique par Barbara K.-Toumarkine. Paris: GF Flammarion, 1997.
"Jacques demanda à son maître s'il n'avait pas remarqué que, quelle que fût la misère des petites gens, n'ayant pas de pain pour eux, ils avaient tous des chiens; s'il n'avait pas remarqué que ces chiens, étant tous instruits à faire des tours, à marcher à deux pattes, à danser, à rapporter, à sauter pour le roi, pour la reine, à faire le mort, cette éducation les avait rendus les plus malheureuses bêtes du monde. D'où il conclut que tout homme voulait commander à un autre; et que l'animal se trouvant dans la société immédiatement au-dessous de la classe des derniers citoyens commandés par toutes les autres classes, ils prenaient un animal pour commander aussi à quelqu'un. «Eh bien! dit Jacques, chacun a son chien. Le ministre est le chien du roi, le premier commis est le chien du ministre, la femme est le chien du mari, ou le mari le chien de la femme; Favori est le chien de celle-ci, et Thibaud est le chien de l'homme du coin. Lorsque mon maître me fait parler quand je voudrais me taire, ce qui, à la vérité, m'arrive rarement, continua Jacques; lorsqu'il me fait taire quand je voudrais parler, ce qui est très difficile; lorsqu'il me demande l'histoire de mes amours, et que j'aimerais mieux causer d'autre chose; lorsque j'ai commencé l'histoire de mes amours, et qu'il l'interrompt: que suis-je autre chose que son chien? Les hommes faibles sont les chiens des hommes fermes.
LE MAÎTRE - Mais, Jacques, cet attachement pour les animaux, je ne le remarque pas seulement dans les petites gens, je connais de grandes dames entourées d'une meute de chiens, sans compter les chats, les perroquets, les oiseaux.
JACQUES - C'est leur satire et celle de ce qui les entoure. Elles n'aiment personne; personne ne les aime: et elles jettent aux chiens un sentiment dont elles ne savent que faire.
LE MARQUIS DES ARCIS - Aimer les animaux ou jeter son coeur aux chiens, cela est singulièrement vu." [pp.200-201]
"«N'est-ce pas le diable! Du matin au soir ils disent du mal de la vie, et ils ne peuvent se résoudre à la quitter! Serait-ce que la vie présente n'est pas, à tout prendre, une si mauvaise chose, ou qu'ils en craignent une pire à venir?" [pp.218-219]
"JACQUES - (...) Mon maître, on passe les trois quarts de sa vie à vouloir, sans faire.
LE MAÎTRE - Il est vrai.
JACQUES - Et à faire sans vouloir." [p.283]

sábado, janeiro 09, 2010

Manual Mínimo do Ator

FO, Dario; Manual Mínimo do Ator. Organização de Franca Rame. Tradução de Lucas Baldovino e Carlos David Szlak. 3ª edição. São Paulo: Editora Senac, 2004.
"Picasso afirmava: «O pintor imbecil está pintando e cai-lhe do pincel uma gota de tinta. Desesperado, o pintor imbecil rasga o papel e começa tudo de novo. No meu caso, ao invés, já que - se me permitem - sou um pintor de talento, assim que cai a mancha, sorrio, observo-a, viro e reviro a folha e, comovido, começo a desfrutar daquele acidente com um grito de prazer. É justamente da mancha que, para mim, nasce a inspiração!»" [p. 90-91]
"(...) nunca desconsiderem o imprevisto... e também não se deixei perturbar por ele." [p. 116]
"Em resumo: para realizar com dignidade o ofício de ser um bom homem de teatro, é preciso empenhar-se para obter todos esses conhecimentos, provenientes do estudo, da observação direta, da prática.
Concluindo: se não quiser levar uma rasteira, deve livrar-se dos preconceitos e evitar os modismos. Ligar-se ao tempo presente mesmo quando tratar de histórias do passado. Desconsiderar as definições, as categorias de importância, ou seja, as classificações de tipo aristotélico, que hierarquizam, põem em uma escala descendente de valores os gêneros: em primeiro lugar, a tragédia, depois o drama, em seguida a comédia, caindo até o teatro de bonecos, até chegar ao saltimbanco, ao palhaço." [p. 132]
"Festejar é uma arte, não basta a vontade de fazer uma festa. Para que tudo não beire a patetice calhorda é necessário saber a partir de qual desespero, medo e raiva devemos representar o escárnio, o paradoxo e o gracejo." [p. 190]
"(...) o problema de como fazer nascer e de tornar conhecidos autores novos é sério. Mas como isso deve ser feito? Que método seguir? Para começar, faltam as escolas." [p. 192]
"Para entendermos melhor a situação em que se encontra a literatura teatral de hoje, imaginem o seguinte jogo absurdo: em primeiro lugar, juntemos um determinado número de comédias e dramas escritos nos últimos anos e talvez não representados; em seguida, sem apor nessas obras nenhuma data, vamos colocá-las no interior de uma cápsula espacial. Lancemos um foguete na direcção da estratosfera. Dentro de cinco séculos, alguns astronautas provavelmente encontrarão essa cápsula, trazendo-a de volta à Terra. De imediato, alguns estudiosos vão se apoderar dos textos, começarão a estudá-los e tentarão descobrir em que período histórico foram escritos. Vocês acham que eles vão conseguir? Onde eles encontrariam uma referência acerca das notícias do nosso cotidiano, uma alusão aos fatos trágicos de nossa época, uma menção aos conflitos sociais? Nada; só encontrariam rios de conceitos, palavras se perseguindo como se estivessem em um jogo de cabra-cega, sem nunca se encontrarem, personagens fora de qualquer tempo e sem um mínimo de realidade. Não, ninguém conseguiria saber quando e por quem poderiam ter sido escritos esses textos. Dias, noites, meses, épocas, tudo fora de qualquer tempo." [p. 206]
"Há trinta anos, durante a montagem de Dito nell'occhio (Dedo no olho), ao lado de Lecoq, aprendi a demarché (modo de andar) do felino: agachar-se - como se fosse andar de gatinhas, distender-se, alongar o braço esquerdo dobrando o pulso para dentro, alongar para a frente a perna direita, prosseguir então com souplesse (flexibilidade), alternando, durante o movimento, a perna esquerda com o braço direito e vice-versa. Parece algo simples, mas na realidade não o é. Mas não é esta a questão. A questão é que, mesmo conhecendo essa caminhada, que é elegante, de efeito e aproxima-se bem da real, eu não a usei durante toda a apresentação. Por quê? Para evitar ser descritivo, é justamente isso, pois teria banalizado o conto, em vez de reforçá-lo. É preciso reunir a coragem e a inteligência de aludir em lugar de realizar a descrição completa. Pôr em foco certos detalhes e deixar escapar outros. Isso determina um estilo e um ritmo mais denso e compacto na narrativa da história." [p. 241]

segunda-feira, dezembro 14, 2009

O Mundo é Feito de Vidro

WEST, Morris; O Mundo é Feito de Vidro. Lisboa: Editora Europa-América. Edição nº 156019/5931.
"(...) amor é uma palavra-camaleão e nós, seres humanos, mudamos de cor mais depressa que as palavras que dizemos." [p. 51]
"(...) palavra de origem latina. Sanus, saudável, Insanus, não saudável. Significado genérico: não de mente saudável, mentalmente perturbado. Contudo, na linguagem comum, a palavra é usada de maneira ampla para abranger toda uma variedade de sintomas, da simples histeria a estados de ilusão obsessiva ou demência violenta." [p. 148]
"(...) Religião, sexo e sofrimento constituem provavelmente a mais constante trindade das experiências humanas. Pense nisso por um momento. A religião, que já definimos juntos, trata do mistério, o mistério das nossas origens, dos nossos fins, do nosso relacionamento com o cosmo, com o mistério do próprio sofrimento. Qual é o símbolo que nos confronta em toda a igreja cristã? O crucifixo, o corpo de um homem torturado, pregado numa cruz de madeira... O sexo é um acto tanto divino como animal. É o começo da vida. É também a pequena morte. A fúria de amantes não está muito distante da fúria da violação e matança. O primeiro impulso do amante desapontado é infligir dor à pessoa outrora amada... Olhe para as imagens de Hieronymus Bosch e verá o princípio prazer-dor distorcido numa visão sexual do inferno." [p. 170]
"(...) quando se grita, escreve ou canta por muito tempo num quarto vazio acaba-se por se dar em doida. Já falou dos seus próprios casos de amor, doutor. Nunca teve vontade de dizer alguma coisa e descobriu que não havia ninguém para escutar? Nunca sentiu vontade de dizer coisas ternas, mesmo sabendo que apenas ecoariam num muro de pedra?" [p. 189]
"(...) As Clarissas Pobres foram gentis. Deixaram-me enterrar Magda no cemitério do convento. Tive de ser franco e comunicar à Madre Superiora que ela era uma descrente. A velha foi maravilhosa. Tem 80 anos, talvez mais, mas ainda possui uma lucidez impressionante. E disse-me: «Gianni, meu rapaz, não importa o que acreditamos em relação a Deus. O que conta é o que Ele sabe a nosso respeito. A sua Magda será muito bem-vinda aqui.»" [p. 271]

terça-feira, fevereiro 17, 2009

O Doutor Jivago

PASTERNAK, Boris; O Doutor Jivago. Tradução de Augusto Abelaira. Introdução de Aquilino Ribeiro. Lisboa: Círculo de Leitores. Janeiro 1975.

Nona Parte: Varykino

"Sempre acreditei que a concepção é uma coisa imaculada e que esse dogma não se refere apenas à Virgem, mas, pelo contrário, exprime uma concepção geral acerca da maternidade.
No parto, a mulher encontra-se entregue à solidão, ao abandono, à renúncia de todas as forças. E de tal modo, nesse instante crucial, o homem é incapaz de socorro, que chega a acreditar que não contribui em nada para o efeito e que a mulher foi visitada pelo céu.
A mulher põe neste mundo, sozinha, o seu filho, sozinha se entrincheira com ele num outro plano da existência, lá onde reina uma paz mais profunda e onde, sem receio, pode poisar o seu berço. Sozinha, com uma aprovação silenciosa, ela o alimenta e o cria.
Nas orações, pde-se à Virgem: «Roga a teu filho e a teu deus». Pomos-lhe nos lábios extractos do salmo: «E a minha alma exultou muito em Deus meu salvador. Porque ele lançou os olhos sobre a humildade da sua serva e por isso todas as gerações me proclamaram bem-aventurada.» Ela refere-se ao seu filho e ele glorifica-a. - «Porque o Senhor Todo-Poderoso me criou.» - Ele é a sua glória. E cada mulher pode dizer o mesmo. O seu Deus está no seu filho. Penso que esse sentimento deve ser familiar às mulheres dos grandes homens. Mas todas as mães sem nenhuma excepção deram à luz grandes homens e se a vida as acabou por enganar, não foi por culpa delas.»" [p. 303]
"Os progressos da arte cumprem-se de acordo com a lei da atracção: cada passo em frente implica a inicialimitação dos artistas anteriores, implica uma profunda reverência perante eles." [p. 307]
Décima Quarta Parte: De volta a Varykino
"«Minha deliciosa, minha inesquecível! Enquanto os meus braços vazios se lembrarem de ti, enquanto te sentir ainda apoiada no meu ombro e colada aos meus lábios, estou contigo. Condensarei todas as minhas lágrimas em qualquer coisa que seja digna de ti. As minhas saudades de ti ficarão inscritas em imagens cheias de ternura, e tão tristes que farão chorar. Não sairei daqui sem conseguir exprimir esses sentimentos. E depois partirei também. Eis a minha ideia: vou transfigurar-te traçando no papel a tua imagem à semelhança do que sucede quando, depois de uma terrível tempestade que abalasse o mar até às zonas mais profundas, aparecem inscritos sobre a areia os desenhos traçados pela vaga mais poderosa, a que foi mais além. O mar desenhou uma grinalda com pedra-pomes, uma rolha, algumas algas, tudo o que encontrou de mais leve, de imponderável. Marca a fronteira da ressaca mais alta, que se estende sem fim ao longo da costa. Assim te lançaram nos meus braços as tempestadesda vida, o meu orgulho. Assim te vou transfgurar.»" [p. 481]
"(...) a arte serve sempre a beleza e (...) a beleza reside na felicidade de possuir uma forma. Por sua vez a forma é o pressuposto orgânico da existência e todo o ser vivo deve possuir uma forma para existir, e do mesmo modo a arte, incluindo a arte trágica, é uma narração da felicidade de existir." [p. 483]
Décima Quinta Parte: O fim
"Pouco falta para concluir a história simples de Iuri Andreievitch, a sua vida nos últimos oito anos, durante os quais se foi deixando sempre decair: perdeu os conhecimentos e a prática da medicina, os hábitos de escritor; de vez em quando saía deste estado de acabrunhamento e de decadência, animava-se então, retomava uma certa actividade, mas depois de um lampejo fugaz recaía na indiferença para consigo mesmo e para com as coisas do mundo.(...)" [p. 497]
"- Actualmente são cada vez mais frequentes as hemorragias cardiacas sob uma forma microscópica. Nem sempre são mortais. Pode vencer-se a crise. É a doença típica do nosso tempo. Creio que as suas causas são essencialmente de ordem moral. A grande maioria dos homens é obrigada a uma duplicidade constante, uma duplicidade erigida em sistema. Não é fácil, sem se dar cabo da saúde, aparentarmos, dia após dia, o contrário daquilo que sentimos realmente, deixarmo-nos crucificar por aquilo que não amamos, regozijarmo-nos com aquilo que nos entristece. O nosso sistema nervoso não é uma expressão vã nem uma invenção. É um corpo físico composto de nervos. A nossa alma situa-se no espaço e implanta-se em nós como os dentes nos maxilares. Não podemos violentá-la impunemente." [p. 514]
"Posteriormente foram encontradas entre os seus papéis as notas seguintes: «Em 22, quando regressei a Moscovo, encontrei a cidade deserta e quase destruída. Tal como ficara depois das tragédias dos primeiros anos da revolução, assim se mantém hoje. A população é escassa. Não se constroem casas novas, nem se restauram as velhas.
Mesmo assim continua sendo uma grande cidade moderna e a única capaz de inspirar uma arte verdadeiramente renovada e actual.
A enumeração desordenada de objectos e de noções aparentemente incompatíveis e que parecem reunidos de modo arbitrário nos simbolistas como Blok, Verhaeren e Whitman não é, de modo nenhum, um capricho de estilo. É uma nova ordem de impressões que eles captaram da realidade viva e que reproduziram da própria natureza.
Da mesma maneira que fazem desfilar nos seus versos longas séries de imagens, assim também a rua aterfada de uma cidade do fim do século anterior corre e arrasta na sua frente multidões, carros, coches e depois, no século seguinte, os vagões dos comboios, dos carros eléctricos e dos «metropolitanos».
Aqui não há lugar para a velha simplicidade pastoril. Essa falsa ingenuidade é uma fraude literária, um maneirismo artificial, um fenómeno livresco que não tem a sua origem no ar livre, mas nas bibliotecas académicas. A linguagem viva que se formou ao contacto da realidade e que corresponde, naturalmente, ao espírito do nosso tempo, é a linguagem das cidades.
Vivo numa encruzilhada animadíssima. Estamos no Verão. O asfalto sobreaquecido das ruas, os reflexos do sol disseminados pelos vidros das janelas dos andares mais altos, a floração das nuvens e das avenidas, a cidade inteira, ofuscada pelo sol, redemoinha em torno de mim, põe-me a cabeça à roda aos outros. Para isso é que a cidade me educou e pôs a arte à minha disposição.
É tão íntimo o elo que existe entre a rua que dia e noite se agita e ruge para além das minhas paredes, e a alma moderna, como entre a primeira nota da abertura executada pela orquestra e o pano de boca, cheio de mistérios e de trevas, ainda descido, mas já iluminado pelas luzes da ribalta. A cidade que se agita e murmura sem descanso, do outro lado das portas e das janelas, é uma imensa introdução à vida de cada um de nós. E é precisamente sob esse ponto de vista que eu gostaria de descrever a cidade.»" [p. 520]
"Os soluços reprimidos sacudiam-na inteiramente. Enquanto pôde lutou, mas subitamente as suas forças quebraram-se. As lágrimas escaparam-se-lhe, inundaram-lhe o rosto, o vestido, as mãos e o caixão sobre o qual se apoiava.
Nada dizia, em nada pensava. Uma sucessão de imagens, de ideias, de evidências, voavam em liberdade, atravessaram-na como nuvens no céu, como outrora, nas suas conversações nocturnas. Era isso precisamente que dantes lhe comunicava felicidade e o sentimento de libertação. Um conhecimento ardente que não provinha da inteligência mas que tanto ele como ela apreendiam. Instintivo, directo.
Sentia-se também agora, penetrada desse conhecimento sombrio, indistinto, desse conhecimento da morte, dessa submissão em face dela, sem qualquer pavor. Como se tivesse vivido vinte vezes e se outras tantas tivesse perdido Jivago, e tivesse acumulado toda a experiência da dor ante a morte, de tal modo que tudo o que agora sentia, tudo o que fazia, era inoportuno.
Que amor excepcional tinham sentido, livre, raro, incomparável! Entendiam-se naturalmente como os outros cantam.
Amavam-se não porque não pudessem fazer outras coisas, não porque estivessem incendiados pela paixão, como tantas vezes se diz, dando assim uma falsa ideia do amor. Amavam-se porque tudo à sua volta os impelia a isso: a terra sob os seus pés, o céu sobre as suas cabeças, as nuvens, as árvores. O seu amor espalhava felicidade em torno mais ainda do que lha dava a eles: os desconhecidos das ruas, ao espaço que lhes abriam para que passassem, aos compartimentos que habitavam.
E isso era o essencial; isso os unia e os aproximava. Jamais, mesmo nos momentos de mais intensa e louca felicidade, se a viam esquecido do mais sublime e comovento dos seus sentimentos: o sentimento afortunado de que contribuiam para embelezar o mundo, que tinham uma relação profunda com o todo, com a beleza, com o universo inteiro.
Nessa harmonia estava para ambos a razão de viver. E assim a exaltação do homem acima do resto da natureza, as pretensões humanitárias tão em voga, a adoração e idolatria pelo homem, não os atraiam. Os princípios de um falso culto da sociabilidade, transformados em dogma político, pareciam-lhe medíocres e incompreensíveis subterfúgios.
Lara disse-lhe adeus nos termos simples e correntes de uma conversa animada e familiar, que rompia as fronteiras da realidade, sem mais significado do que os cantos e os monólogos das tragédias, os versos, a música e todos os outros convencionalismos que apenas se justificam porque há emoções sem convenções. A emotividade que subsistia numa conversa leve e improvisada provinha também de uma convenção: provinha destas lágrimas que banhavam, que alagavam as vulgares palavras de todos os dias.
Dir-se-ia que essas palavras, molhadas pelas lágrimas, formavam apenas um murmúrio terno e rápido, como o atrito do vento na folhagem sedosa, húmida, enredada por uma chuva morna." [pp. 531 - 532]
Décima Sétima Parte: Versos de Iuri Jivago
9. Embriaguês
"A hera enlaça-se ao salgueiro
Que nos protege do mau tempo.
Um manto envolve-nos os ombros
Quando te enlaço estreitamente.
Não. Embriaguês, e não a hera,
O que se solta do arvoredo.
E deste manto, já por terra,
Façamos antes um tapete." [p. 563]
16. Separação
"No limiar da casa o homem olha,
Com a vista perdida,
Toda a devastação deixada, em roda,
Pela sua partida.
Reinam ali o caos e a derrocada.
Mas a cabeça dói-lhe;
E, a chorar, nem avalia o estado
De quanto a vista colhe.
Há um rumor constante a persegui-lo.
Dir-se-ia que divaga...
Por que lhe vem ao espírito intranquilo
A imagem da vaga?
Pelos vidros cobertos de geada
Tudo é vago, nevoento...
E duplamente se assemelha às águas
O seu próprio tormento.
Pra ele as feições dela outrora foram
De fulgor semelhante
Ao traçado tão nítido que as ondas
Deixavam na vazante.
Mas hoje em sua alma aqueles traços
O olvido os invade,
Como os juncos que ficam afogados
Depois da tempestade.
Nos anos maus, hostis, em que era a vida
Uma funesta ronda,
Trouxera-lhe o destino, como vida
Na crista de uma onda.
Tudo arrostara a vaga, mas depois
De p'rigos e de escolhos
Tinha-a, por fim, incólume, deposto
Diante dos seus olhos.
Mas agora partiu, e obrigada
Foi decerto à partida.
A mágoa de ficarem separados
Vai roer-lhes a vida.
E o homem vê os múltiplos vestígios
Da participação,
No cofre, nas gavetas revolvidas,
Na roupa que há no chão.
Peças de vestuário, trapos velhos,
Um molde de costura,
Tudo vai arrumando, até que chega,
Por fim, a noite escura.
Mas os dedos picando numa agulha,
Que ficara esquecida,
Chora, de manso: ante os seus olhos surge
A imagem perdida." [pp. 572 - 573]

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terça-feira, novembro 11, 2008

Estranha Forma de Vida

quinta-feira, junho 05, 2008

A Rosa

"A Rosa que te dei não foi criada num jardim, por isso tinha mais significado para mim"

sábado, maio 24, 2008

Penthésilée

"(...) C'est bien moi, ta Prothoé! qui te tiens dans mes bras. Et ce que tu as sous les yeux, c'est bien le Monde encore, le Monde malade où les dieux ne jettent les yeux que de très loin."

"Eh bien! c'était une erreur. Désirer... déchirer... cela rime. Qui aime d'amour songe à l'un - et fait l'autre."

Penthésilée, de Kleist. Apresentada na UPX. Fotomontagem de Glen Villarreal Zambrano. Maio de 2008